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segunda-feira, 31 de março de 2014

Elas ousaram combater a ditadura militar. E pagaram caro por isso…

Boa tarde, meus queridos (as)! Cinquenta anos  do Golpe Militar, não tem como esquecer esse período que marcou de sangue e vergonha a nossa história mas, paralelo a isso  lembrar com orgulho  de nomes que corajosamente entregaram suas vidas pela redemocratização do país.


Ela foi colocada no pau de arara, apanhou de palmatória, levou choques e socos que causaram problemas graves na sua arcada dentária durante as torturas que sofreu na ditadura. Hoje, Dilma Rousseff é presidente do Brasil. Como ela, tantas outras mulheres participaram dos movimentos de resistência ao regime militar; mas muitas não saíram dos porões para contar, nem fazer, história.
Depoimentos estarrecedores vieram à tona com a instauração da Comissão da Verdade, criada pela presidente e que tornou acessíveis uma série de papéis até então secretos. Desde maio de 2012, 19 milhões de páginas de documentos foram retirados dos arquivos e estão em análise, e cerca de 350 pessoas foram ouvidas. Brasileiras, hoje na faixa do 60 anos, como Dilma, relataram que foram vítimas de estupros, choques nos mamilos, ameaças aos filhos, abortos.
“Acreditamos que as mulheres sofreram violências específicas, sexuais, motivadas também por machismo, que buscavam destruir a feminilidade e a maternidade delas”, afirmou Glenda Mezarobba, uma das coordenadoras do grupo Ditadura e Gênero, que investiga o assunto na Comissão da Verdade, à revista Marie Claire. “Hoje, trabalhamos com um número de 500 mortos pela ditadura, 50 deles seriam mulheres. Mas sabemos que os dois números estão subestimados”, disse Glenda, que pretende refazer a estatística.
O que se sabe é que as mulheres foram fundamentais no combate ao regime. “A história da repressão durante a ditadura militar e assim como a oposição a ela é uma história masculina, assim como toda a história política, basta que olhemos a literatura existente sobre o período. As relações de gênero estão aí excluídas, apesar de  sabermos que tantas mulheres, juntamente com os homens, lutaram pela redemocratização do país. Ousar adentrar o espaço público, político, masculino, por excelência foi o que fizeram estas mulheres ao se engajarem nas diversas organizações clandestinas existentes no país durante a ditadura militar”, escreve Ana Maria Colling, em seu artigo “As mulheres e a ditadura miliar no Brasil”.  Outras mulheres combateram sem armas, como Leila Diniz, que desafiava o bom mocismo estabelecido, e Zuzu Angel, que fez de sua moda uma bandeira contra o regime.
Fato é que pagaram caro pela ousadia. Elas guardavam armas e abrigavam militantes. Era preciso que houvesse uma mulher em cada esconderijo, para manter a aparência de uma casa normal. Muitas foram mães na clandestinidade ou na cadeia. Mas quando a casa caía, elas tinham pela frente não apenas a tortura, mas também o sexismo e a violência sexual.
“Depois de nos colocarem nuas, eles comentavam a gordura ou a magreza dos nossos corpos. Zombavam da menstruação e do leite materno. Diziam ‘você é puta mesmo, vagabunda’”, conta Ana Mércia, uma sobrevivente. As violências incluíam, em geral, choques nas genitálias, palmatórias no rosto, sessões de espancamento no pau de arara, afogamentos ou torturas na cadeira do dragão, cujo assento era uma placa de metal que dava descargas elétricas no corpo amarrado do prisioneiro.
Segundo a  psicóloga Maria Auxiliadora Arantes, cuja tese de doutorado é sobre tortura no Brasil,  “o corpo nu da mulher desencadeia reações no torturador, que quer fazer desse corpo um objeto de prazer". Ser mulher fazia diferença. "A mulher ficava nua diante dos olhos cobiçosos e jocosos daqueles homens, essa era a primeira violência”, ressalta Tatiana Merlino, organizadora do livro "Luta, Substantivo Feminino", publicado em 2010 pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos, que descreve o assassinato de 45 mulheres militantes.
"O estresse é feroz, inimaginável. Descobri, pela primeira vez, que estava sozinha. Encarei a morte e a solidão. Lembro-me do medo quando minha pele tremeu. Tem um lado que marca a gente pelo resto da vida", relatou a  presidente Dilma Rousseff, que até hoje tem problemas no osso do suporte do dente em razão de um soco que levou na boca. "Me deram um soco e o dente se deslocou e apodreceu", contou. A presidente sempre se recusou a se posicionar no papel de vítima, mas pressionou por mais transparência em relação aos anos da ditadura militar no Brasil.
O depoimento pessoal de Dilma, que ficara perdido entre pilhas de caixas-arquivo de papelão, revela todo o sofrimento vivido por ela em Minas, na pele da militante política de codinomes Estela, Stela, Vanda, Luíza, Mariza e também Ana. Dilma tinha 22 anos e militava no setor estudantil do Comando de Libertação Nacional (Colina), que mais tarde se fundiria com a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), dando origem à VAR-Palmares. Os torturadores costumavam amarrá-la de cabeça para baixo para depois aplicar cargas elétricas, um método de tortura que "não deixa rastro, só te mina", segundo as palavras da presidente.
Companheiras de tortura
A presidente Dilma Rousseff não é a única integrante do atual governo que prestou depoimento ao Conselho de Direitos Humanos de Minas Gerais (Conedh-MG) relatando as torturas que sofreu no período da ditadura. Nos arquivos localizados no Edifício Maletta, no Centro de Belo Horizonte, também está guardado o processo da ministra Eleonora Menicucci, hoje com 68 anos. Eleonora conta que sofreu choques elétricos e socos, além de ameaças psicológicas envolvendo a filha de um ano e quatro meses e o marido.
O depoimento de Eleonora não foi feito pessoalmente. Em 7 de maio de 2001, ela escreveu ao conselho para reivindicar o direito à indenização de R$ 30 mil oferecida pelo governo de Minas aos que sofreram tortura no estado. No texto, ela relata dois momentos de terror vividos em novembro de 1971 no quartel militar de Juiz de Fora, para onde foi levada presa depois de viajar “brutalmente algemada” num camburão desde o Presídio Tiradentes, em São Paulo. Numa noite, ela foi retirada da cela. “Fui torturada no próprio quartel com choques elétricos, tapas, socos e muita ameaça psicológica de que não voltaria viva para São Paulo, que voltaria separada de Ricardo (Prata Soares, seu marido), que eles me matariam durante a viagem e depois diriam que foi um acidente, que prenderiam novamente a minha filha.”
Rose Nogueira, líder do grupo Tortura Nunca Mais em São Paulo, foi  companheira de cela da presidente Dilma Rousseff, e igualmente torturada. Rose fazia parte da Ação Libertadora Nacional, do líder guerrilheiro Carlos Marighella. Em sua casa, enquanto ela estava grávida, havia reuniões de militantes de esquerda para reagir à ditadura. Rose foi presa enquanto amamentava seu filho de um mês e meio em novembro de 1968. O bebê foi levado com os avôs e ela parou no Departamento da Ordem Política e Social (DOPS), onde passou por um duro interrogatório. Depois, terminou transferida ao Presídio Tiradentes em São Paulo, onde esteve presa ao lado da atual presidente. Dilma ficou presa por quase três anos, período no qual sofreu 22 dias seguidos de torturas.
Relatos impressionantes
Os depoimentos dados à Comissão da Verdade mostram que as inúmeras violências cometidas naquele período ainda estão vivas na memória dessas mulheres. Na página da Comissão da Verdade de São Paulo os casos são de arrepiar, como o relato emocionado de Ieda Seixas. Vale a pena lembrar, para que isso jamais seja esquecido. Nem se repita:
Quando os homens já estavam dentro de sua casa, Ieda pensou em resistir e pegar a metralhadora que estava em cima da mesa. Não houve tempo. Ela, sua irmã Iara e a mãe delas, Fanny, foram arrancadas de casa e levadas para a Oban (Operação Bandeirantes), em São Paulo. Passava das 21 horas de 16 de abril de 1971 quando elas chegaram ao centro de tortura da Rua Tutóia, no bairro do Paraíso. Lá estavam presos e sendo torturados desde a manhã daquele dia, seu irmão, Ivan Akselrud Seixas, e seu pai Joaquim Alencar de Seixas, ambos militantes do Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT).
Mãe e filhas foram separadas. Ieda foi levada para um banheiro, no segundo andar do prédio. Lá, havia uma cama e no lugar do colchão, uma tela e um cobertor. O entra e sai de homens no cômodo era grande. As luzes apagaram-se, e Iara ouviu a ordem: “tragam o Ivan”. Na sequência, um som de rajada de metralhadora e um grito de Fanny. Era a primeira de várias simulações do fuzilamento de Ivan que a família viveria.
Ieda estava sentada na cama quando o movimento de homens no banheiro continuou. Um entrava depois do outro, uns dez no total. Um deles sentou-se ao seu lado, pressionando-lhe o corpo. Do outro lado, sentou outro, que usava um chapéu. “Era um homem asqueroso”, recorda-se Ieda.
Ele tirou os sapatos e enfiou a mão por entre as pernas de Ieda, alcançando sua vagina. “Me dê choque, me bata, mas não façam isso comigo”, suplicou a moça, desesperada, em vão. O homem era o delegado da polícia civil Davi dos Santos Araújo, conhecido no DOI-Codi como Capitão Lisboa.
De madrugada, Ieda foi colocada numa viatura veraneio C-14, cheia de homens, e levada ao Parque do Estado. Ivan foi levado ao mesmo destino, porém em outro carro. Lá, houve novamente a simulação de fuzilamento do então adolescente de 16 anos. E, no carro, Capitão Lisboa, sentado ao lado de Ieda, novamente a violentou.
No caminho de volta ao DOI-Codi, os agentes desceram numa padaria para tomar café e de dentro do carro, Ivan e Ieda conseguiram ver a manchete do jornal Folha da Tarde numa banca de revista, que dizia que o pai deles, Joaquim Alencar de Seixas morrera. Porém, quando os irmãos chegaram ao DOI, Joaquim ainda estava vivo.
Mais tarde, Ieda foi obrigada a tomar um copo de leite, muito doce. “Só acordei no dia seguinte. Creio que fui dopada enquanto tiravam de lá o corpo do meu pai, que havia sido morto”.
Seixas fora assassinado por volta das 19 horas do dia 17. Sua esposa, Fanny, viu uma C14 ser estacionada no pátio e dentro colocarem o corpo do marido. Ouviu, também, um policial perguntar a outro: “De quem é esse presunto?”. Como resposta, ouviu: “Esse era o Roque” [codinome de Seixas].
Desaparecimento
Além do assassinato de seu pai, das torturas que ela e sua família foram submetidas, Ieda ainda denunciou o caso de um jovem que viu desaparecer noDOI-Codi. “Eu vi esse menino sentado no pátio. Era magro, loiro, aparentava ser muito novo. Ele foi levado para o andar de cima, onde foi torturado. Ouvimos seus gritos, e depois, ele silenciou, foi  morto. Não sei quem é esse garoto. Certamente ele ainda está sendo procurado por alguma família”, relatou.
Ieda ficou um ano e meia presa: “Mas é como se tivesse ficado quase seis, porque foi o tempo que o Ivan ficou preso”. Passados 41 anos de sua prisão, a mulher de h
 oje 65 anos afirma que os gritos dos torturados da Oban nunca saíram da sua cabeça.

FONTE: blog da DB

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