Boa tarde, meus queridos (as)! Cinquenta anos do Golpe Militar, não tem como esquecer esse período que marcou de sangue e vergonha a nossa história mas, paralelo a isso lembrar com orgulho de nomes que corajosamente entregaram suas vidas pela redemocratização do país.
Ela foi colocada no pau de arara, apanhou de palmatória, levou
choques e socos que causaram problemas graves na sua arcada dentária
durante as torturas que sofreu na ditadura. Hoje, Dilma Rousseff é
presidente do Brasil. Como ela, tantas outras mulheres participaram dos
movimentos de resistência ao regime militar; mas muitas não saíram dos
porões para contar, nem fazer, história.
Depoimentos estarrecedores vieram à tona com a instauração da
Comissão da Verdade, criada pela presidente e que tornou acessíveis uma
série de papéis até então secretos. Desde maio de 2012, 19 milhões de
páginas de documentos foram retirados dos arquivos e estão em análise, e
cerca de 350 pessoas foram ouvidas. Brasileiras, hoje na faixa do 60
anos, como Dilma, relataram que foram vítimas de estupros, choques nos
mamilos, ameaças aos filhos, abortos.
“Acreditamos que as mulheres sofreram violências específicas,
sexuais, motivadas também por machismo, que buscavam destruir a
feminilidade e a maternidade delas”, afirmou Glenda Mezarobba, uma das
coordenadoras do grupo Ditadura e Gênero, que investiga o assunto na
Comissão da Verdade, à revista Marie Claire.
“Hoje, trabalhamos com um número de 500 mortos pela ditadura, 50 deles
seriam mulheres. Mas sabemos que os dois números estão subestimados”,
disse Glenda, que pretende refazer a estatística.
O que se sabe é que as mulheres foram fundamentais no combate ao
regime. “A história da repressão durante a ditadura militar e assim como
a oposição a ela é uma história masculina, assim como toda a história
política, basta que olhemos a literatura existente sobre o período. As
relações de gênero estão aí excluídas, apesar de sabermos que tantas
mulheres, juntamente com os homens, lutaram pela redemocratização do
país. Ousar adentrar o espaço público, político, masculino, por
excelência foi o que fizeram estas mulheres ao se engajarem nas diversas
organizações clandestinas existentes no país durante a ditadura
militar”, escreve Ana Maria Colling, em seu artigo “As mulheres e a ditadura miliar no Brasil”.
Outras mulheres combateram sem armas, como Leila Diniz, que desafiava o
bom mocismo estabelecido, e Zuzu Angel, que fez de sua moda uma
bandeira contra o regime.
“Depois de nos colocarem nuas, eles comentavam a gordura ou a magreza
dos nossos corpos. Zombavam da menstruação e do leite materno. Diziam
‘você é puta mesmo, vagabunda’”, conta Ana Mércia, uma sobrevivente. As
violências incluíam, em geral, choques nas genitálias, palmatórias no
rosto, sessões de espancamento no pau de arara, afogamentos ou torturas
na cadeira do dragão, cujo assento era uma placa de metal que dava
descargas elétricas no corpo amarrado do prisioneiro.
Segundo a psicóloga Maria Auxiliadora Arantes, cuja tese de
doutorado é sobre tortura no Brasil, “o corpo nu da mulher desencadeia
reações no torturador, que quer fazer desse corpo um objeto de prazer".
Ser mulher fazia diferença. "A mulher ficava nua diante dos olhos
cobiçosos e jocosos daqueles homens, essa era a primeira violência”,
ressalta Tatiana Merlino, organizadora do livro "Luta, Substantivo
Feminino", publicado em 2010 pela Secretaria Especial dos Direitos
Humanos, que descreve o assassinato de 45 mulheres militantes.
"O estresse é feroz, inimaginável. Descobri, pela primeira vez, que
estava sozinha. Encarei a morte e a solidão. Lembro-me do medo quando
minha pele tremeu. Tem um lado que marca a gente pelo resto da vida",
relatou a presidente Dilma Rousseff, que até hoje tem problemas no osso
do suporte do dente em razão de um soco que levou na boca. "Me deram um
soco e o dente se deslocou e apodreceu", contou. A presidente sempre se
recusou a se posicionar no papel de vítima, mas pressionou por mais
transparência em relação aos anos da ditadura militar no Brasil.
O depoimento pessoal de Dilma, que ficara perdido entre pilhas de
caixas-arquivo de papelão, revela todo o sofrimento vivido por ela em
Minas, na pele da militante política de codinomes Estela, Stela, Vanda,
Luíza, Mariza e também Ana. Dilma tinha 22 anos e militava no setor
estudantil do Comando de Libertação Nacional (Colina), que mais tarde se
fundiria com a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), dando origem à
VAR-Palmares. Os torturadores costumavam amarrá-la de cabeça para baixo
para depois aplicar cargas elétricas, um método de tortura que "não
deixa rastro, só te mina", segundo as palavras da presidente.
Companheiras de tortura
A presidente Dilma Rousseff não é a única integrante do atual governo
que prestou depoimento ao Conselho de Direitos Humanos de Minas Gerais
(Conedh-MG) relatando as torturas que sofreu no período da ditadura. Nos
arquivos localizados no Edifício Maletta, no Centro de Belo Horizonte,
também está guardado o processo da ministra Eleonora Menicucci, hoje com
68 anos. Eleonora conta que sofreu choques elétricos e socos, além de
ameaças psicológicas envolvendo a filha de um ano e quatro meses e o
marido.
O depoimento de Eleonora não foi feito pessoalmente. Em 7 de maio de
2001, ela escreveu ao conselho para reivindicar o direito à indenização
de R$ 30 mil oferecida pelo governo de Minas aos que sofreram tortura no
estado. No texto, ela relata dois momentos de terror vividos em
novembro de 1971 no quartel militar de Juiz de Fora, para onde foi
levada presa depois de viajar “brutalmente algemada” num camburão desde o
Presídio Tiradentes, em São Paulo. Numa noite, ela foi retirada da
cela. “Fui torturada no próprio quartel com choques elétricos, tapas,
socos e muita ameaça psicológica de que não voltaria viva para São
Paulo, que voltaria separada de Ricardo (Prata Soares, seu marido), que
eles me matariam durante a viagem e depois diriam que foi um acidente,
que prenderiam novamente a minha filha.”
Rose Nogueira, líder do grupo Tortura Nunca Mais em São Paulo, foi
companheira de cela da presidente Dilma Rousseff, e igualmente
torturada. Rose fazia parte da Ação Libertadora Nacional, do líder
guerrilheiro Carlos Marighella. Em sua casa, enquanto ela estava
grávida, havia reuniões de militantes de esquerda para reagir à
ditadura. Rose foi presa enquanto amamentava seu filho de um mês e meio
em novembro de 1968. O bebê foi levado com os avôs e ela parou no
Departamento da Ordem Política e Social (DOPS), onde passou por um duro
interrogatório. Depois, terminou transferida ao Presídio Tiradentes em
São Paulo, onde esteve presa ao lado da atual presidente. Dilma ficou
presa por quase três anos, período no qual sofreu 22 dias seguidos de
torturas.
Relatos impressionantes
Os depoimentos dados à Comissão da Verdade mostram que as inúmeras
violências cometidas naquele período ainda estão vivas na memória dessas
mulheres. Na página da Comissão da Verdade de São Paulo
os casos são de arrepiar, como o relato emocionado de Ieda Seixas. Vale
a pena lembrar, para que isso jamais seja esquecido. Nem se repita:
Quando os homens já estavam dentro de sua casa, Ieda pensou em
resistir e pegar a metralhadora que estava em cima da mesa. Não houve
tempo. Ela, sua irmã Iara e a mãe delas, Fanny, foram arrancadas de casa
e levadas para a Oban (Operação Bandeirantes), em São Paulo. Passava
das 21 horas de 16 de abril de 1971 quando elas chegaram ao centro de
tortura da Rua Tutóia, no bairro do Paraíso. Lá estavam presos e sendo
torturados desde a manhã daquele dia, seu irmão, Ivan Akselrud Seixas, e
seu pai Joaquim Alencar de Seixas, ambos militantes do Movimento
Revolucionário Tiradentes (MRT).
Mãe e filhas foram separadas. Ieda foi levada para um banheiro,
no segundo andar do prédio. Lá, havia uma cama e no lugar do colchão,
uma tela e um cobertor. O entra e sai de homens no cômodo era grande. As
luzes apagaram-se, e Iara ouviu a ordem: “tragam o Ivan”. Na sequência,
um som de rajada de metralhadora e um grito de Fanny. Era a primeira de
várias simulações do fuzilamento de Ivan que a família viveria.
Ieda estava sentada na cama quando o movimento de homens no
banheiro continuou. Um entrava depois do outro, uns dez no total. Um
deles sentou-se ao seu lado, pressionando-lhe o corpo. Do outro lado,
sentou outro, que usava um chapéu. “Era um homem asqueroso”, recorda-se
Ieda.
Ele tirou os sapatos e enfiou a mão por entre as pernas de Ieda,
alcançando sua vagina. “Me dê choque, me bata, mas não façam isso
comigo”, suplicou a moça, desesperada, em vão. O homem era o delegado da
polícia civil Davi dos Santos Araújo, conhecido no DOI-Codi como
Capitão Lisboa.
De madrugada, Ieda foi colocada numa viatura veraneio C-14, cheia
de homens, e levada ao Parque do Estado. Ivan foi levado ao mesmo
destino, porém em outro carro. Lá, houve novamente a simulação de
fuzilamento do então adolescente de 16 anos. E, no carro, Capitão
Lisboa, sentado ao lado de Ieda, novamente a violentou.
No caminho de volta ao DOI-Codi, os agentes desceram numa padaria
para tomar café e de dentro do carro, Ivan e Ieda conseguiram ver a
manchete do jornal Folha da Tarde numa banca de revista, que dizia que o
pai deles, Joaquim Alencar de Seixas morrera. Porém, quando os irmãos
chegaram ao DOI, Joaquim ainda estava vivo.
Mais tarde, Ieda foi obrigada a tomar um copo de leite, muito
doce. “Só acordei no dia seguinte. Creio que fui dopada enquanto tiravam
de lá o corpo do meu pai, que havia sido morto”.
Seixas fora assassinado por volta das 19 horas do dia 17. Sua
esposa, Fanny, viu uma C14 ser estacionada no pátio e dentro colocarem o
corpo do marido. Ouviu, também, um policial perguntar a outro: “De quem
é esse presunto?”. Como resposta, ouviu: “Esse era o Roque” [codinome
de Seixas].
Desaparecimento
Além do assassinato de seu pai, das torturas que ela e sua
família foram submetidas, Ieda ainda denunciou o caso de um jovem que
viu desaparecer noDOI-Codi. “Eu vi esse menino sentado no pátio. Era
magro, loiro, aparentava ser muito novo. Ele foi levado para o andar de
cima, onde foi torturado. Ouvimos seus gritos, e depois, ele silenciou,
foi morto. Não sei quem é esse garoto. Certamente ele ainda está sendo
procurado por alguma família”, relatou.
Ieda ficou um ano e meia presa: “Mas é como se tivesse ficado
quase seis, porque foi o tempo que o Ivan ficou preso”. Passados 41 anos
de sua prisão, a mulher de h
oje 65 anos afirma que os gritos dos
torturados da Oban nunca saíram da sua cabeça.
FONTE: blog da DB
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